“Os integrantes da comunidade acadêmica deveriam participar da busca de democracia das universidades”
Pesquisador Rafael Guarga reconhece que Reforma Universitária de Córdoba foi marco importante para instituição das universidades do modo que conhecemos hoje, mas atualizações são necessárias
Marcílio Lana / A III Conferência Regional de Educação Superior (CRES 2018) marca as comemorações relativas ao centenário da Reforma Universitária de Córdoba. Entre os principais aspectos da Reforma estão o co-governo estudantil, autonomia universitária, docência livre, concursos públicos, investigação como função da universidade e extensão universitária. Para o coordenador do eixo temático “Aos 100 anos da Reforma Universitária de Córdoba, em direção a um novo Manifesto da Educação Superior Latino-americana” e diretor da Frost Protection Corporation, Rafael Guarga, é preciso atualizar as questões previstas na Reforma para o momento atual.
Em primeiro lugar, parece fundamental compreender o papel histórico da Reforma Universitária de Córdoba. Por que este movimento foi e continua sendo um marco para a educação superior para a América Latina e Caribe?
A Reforma de Córdoba é um marco na história das universidades latino-americanas por ser pioneira na construção de um modelo institucional que conferiu uma identidade e um modelo de atuação renovado no ensino superior na região. Entre os principais aspectos estão a questão da autonomia universitária, tanto do ponto de vista econômico quanto político, com relação ao posicionamento a questões sociais e à produção científica. A Reforma também definiu a instituição de uma relação forte da universidade com a sociedade e da defesa da diversidade. Tanto a CRES 1996 quanto a CRES 2008 recomendaram valores acadêmicos e políticos presentes no manifesto da Reforma.
O senhor poderia enumerar as consequências políticas, sociais e acadêmicas da Reforma Universitária de Córdoba? Que transformações resultaram da Reforma de Córdoba?
Um número imenso de universidades incorporaram questões do manifesto de 1918, em especial autonomia. Por conta dos governos ditatoriais da região no século XX, presenciamos a restrição da autonomia universitária, já que um dos primeiros atos nas ditaduras é justamente o cerceamento das universidades. A questão foi retomada pela CRES 1996, que reivindicou os valores do manifesto de uma forma objetiva.
Podemos dizer, portanto, que a Reforma de Córdoba é ainda atual? Ou seja, os princípios que nortearam este movimento, que se realizou há 100 anos, ainda são atuais? Por quê?
Algumas questões da Reforma estão em discussão. Em particular tenho que mencionar o problema do Acordo Geral sobre Comércio e Serviços (do inglês General Agreement on Trade in Services, GATS), que procura estabelecer princípios e regras para o comércio de serviços. Isso cria um problema grave porque o Acordo prevê que o que se estabelece para uma instituição deve valer para todas que ofertam o mesmo serviço. No caso das universidades, está em jogo a autonomia.
No documento “A cien años de la Reforma Universitaria de Córdoba. Hacia un nuevo manifiesto de la educación superior latino-americana”, de sua autoria, o senhor afirma que um dos objetivos a serem perseguidos é a ampliação da democracia dentro e fora das universidades. O senhor avalia que as universidades e instituições de ensino superior latino-americanas e caribenhas precisam aprofundar a democracia internamente?
Isso é difícil de dizer, porque depende das realidades de cada país. De forma geral, acredito que os integrantes da comunidade acadêmica deveriam participar da busca de democracia das universidades. Se trata de constituir representações fortes de professores, estudantes e funcionários não docentes. O lugar da democracia universitária é peculiar e demanda enorme participação. No cenário de inclusão universitária, há uma demanda pela melhora da democracia.
Como, de que forma este objetivo deve ou está sendo perseguido? Democratizar as universidades e as IES é um grande desafio?
Em governos ditatoriais, que existiram na América Latina no século XX, existiam vários casos de perseguição pela democracia. Mas essa não é a realidade atual. Não sei dizer demandas específicas, só demandas gerais que as universidades fazem aos governos, e que estão sendo cumpridas digamos assim. Mas são demandas compartilhadas coletivamente, como a questão do financiamento.
Qual o papel que cabe às universidades e as IES no aprofundamento da democracia?
Enquanto ao aprofundamento, é difícil fazer uma generalização, em cada país as realidades são distintas. Temos que observar se os atores fundamentais da vida universitária, docentes, estudantes, funcionários estão satisfeitos e consideram o governo representativo. É importante lembrar que a CRES é um momento importante, nos 100 anos da Reforma de Córdoba. É a hora de buscarmos atualizar as respostas para essas questões.