“O ensino superior permanece fora do que acontece na educação básica”
Pesquisadora Maria José Lemaitre avalia que expansão expõe a necessidade de rever o modo de compreender a qualidade e a relevância do ensino superior
Marcílio Lana / A coordenadora do eixo “O Ensino Superior como parte do sistema educacional a América Latina e Caribe” da III Conferência Regional da Educação Superior (CRES 2018) e diretora executiva do Centro Intrauniversitário de Desarrollo (CINDA), Maria José Lemaitre, critica a falta de interação entre o ensino superior e a educação básica, o que, segundo ela, causa uma transição traumática para o estudante que acaba de sair do ensino básico e ingressa na educação superior.
Quais serão as discussões do eixo temático "O ensino superior como parte do sistema educacional na América Latina e Caribe"?
Este eixo temático se concentra na qualidade e relevância do ensino superior. Estão em foco as articulações do ensino superior com a educação básica, entre os atores do ensino superior e entre o ensino superior e o ambiente externo, a sociedade. Também a função formativa como foco central da qualidade do ensino superior, enfatizando a necessidade de desenhar estratégias pedagógicas adequadas e o reconhecimento da diversidade. Além disso, a garantia de competência profissional ao longo da vida, que inclui mecanismos de qualificação e atualização profissional e a garantia externa de qualidade, considerando a avaliação de programas e instituições.
Nos últimos anos, aqui no Brasil, houve um aumento no número de vagas no ensino superior e nas políticas públicas de acesso às universidades, como o PRONI, FIES e o REUNI. Esse movimento ocorreu em outros países da América Latina e do Caribe?
Na América Latina e Caribe há um crescimento sustentado nas matrículas, em parte devido a uma percepção da educação como um mecanismo de mobilidade social, e também devido a políticas nacionais e institucionais destinadas a reduzir as barreiras ao acesso ao ensino superior. Consequentemente, há diversificação da população estudantil. Outro ponto é a diversidade da oferta, expressa em diferentes tipos de instituições e modalidades de ensino com a presença crescente do setor privado.
Que tipo de mudanças ocorre na expansão da oferta e na diversificação institucional e programática do ensino superior?Talvez o mais relevante tenha a ver com a necessidade de rever o modo de compreender a qualidade e a relevância do ensino superior. A expansão da demanda levou a uma diversificação da oferta. Para que esta diversificação seja 'virtuosa' e não se expresse em diferenças inaceitáveis, é necessário compreender a qualidade como a combinação de três elementos: a identidade institucional; a relevância, o que significa poder identificar as exigências provenientes das funções que a instituição decidiu abordar, as características do ambiente social e econômico para o qual a instituição direciona seu trabalho, as normas e regulamentos que se aplicam a ele; e, finalmente, na capacidade da instituição adaptar os meios para os propósitos estabelecidos. Se não houver uma consideração séria e rigorosa da diversidade e da qualidade, a educação superior não será capaz de se encarregar de uma população estudantil diversificada ou responder às necessidades de desenvolvimento econômico e social do país no qual ela, a educação superior, está inserida.
Como tem sido a articulação do ensino superior com a educação básica na região?
Em geral, pobre. O ensino superior permanece fora do que acontece na educação básica e não assume a responsabilidade que recai sobre a qualidade desse nível, que é desempenhado na formação de professores e profissionais responsáveis pelas políticas, currículo e estratégias pedagógicas. Também não se encarrega das características dos alunos que admite. Por isso, a transição entre a educação básica e o ensino superior é geralmente uma experiência traumática, especialmente para aqueles que são a primeira geração a ter acesso ao ensino superior.
O que deve ser feito para garantir um ensino superior de qualidade na América Latina e no Caribe?
Espero que isso surja na CRES. Existem múltiplas ações, do ponto de vista das políticas nacionais, instituições e mecanismos de garantia de qualidade. Mas é essencial conhecer a realidade do ensino superior e não ficar com diagnósticos que privilegiem as perspectivas ideológicas. O CINDA publica periodicamente um relatório sobre o Ensino Superior na América Latina que fornece informações abundantes e atualizadas sobre a região e cada um dos países que a compõem. Deveria ser leitura obrigatória para todos os responsáveis pela definição de políticas, em todos os níveis.