“Universidades têm que ser campos de transformação do conhecimento”
Pesquisador Humberto Grimaldo defende que instituições cumpram a responsabilidade social de diminuir desigualdades e melhorar condições de vida de população vulnerável
Marcílio Lana / O coordenador do eixo temático “Educação superior face aos desafios sociais da América Latina e Caribe” da III Conferência Regional da Educação Superior (CRES 2018) e coordenador geral do Observatório Regional de Responsabilidade Social para América Latina e Caribe (ORSALC), Humberto Grimaldo, defende que as universidades têm que constituir um espaço de acesso e permanência para o estudante, além de terem um papel fundamental na reconstrução das comunidades vulneráveis.
Quais vão ser as discussões do eixo temático “Educação superior face aos desafios sociais da América Latina e Caribe”?
Um dos principais desafios sociais é que a universidade tem que se comprometer com as comunidades vulneráveis, seja vulnerabilidade nutricional, habitacional ou de inclusão científica. Universidade sem isso tende à inércia. Universidades têm que ser campos de transformação do conhecimento.
No Brasil, criou-se o imaginário que faz uma relação direta entre o acesso ao ensino superior e a melhoria direta na qualidade de vida do indivíduo. Essa relação é real existe esse imaginário em outros países da região?
A responsabilidade social não pode adquirir matizes cosméticas, tem que ser um compromisso que traduz a universidade. Estamos diante dos direitos e deveres humanos. Temos que ser completamente radicais na cobrança dos nossos direitos, mas só cumprimos nossos deveres quando outros cumprem. No Brasil, as universidades não podem se comprometer só com o acesso à educação superior, mas também com a permanência e regresso para a comunidade de origem do estudante. É necessário que o aluno saia transformando seu território, melhorando as comunidades vulneráveis.
Hoje qual tem sido o papel das instituições de ensino superior na diminuição das desigualdades socioeconômicas da região?
Acredito que a educação superior tenha o papel de converter as vulnerabilidades em estudos e, a partir daí, transformar as comunidades e territórios. A verdadeira responsabilidade é tratar esses seres das comunidades vulneráveis como seres humanos, como sujeitos de direito. As comunidades não podem ser apenas indicadores. Elas têm que ser transformadas, re-humanizadas.
A CRES 2008 estabeleceu que as Instituições de Ensino Superior têm a responsabilidade de promover a compreensão de questões com as dimensões sociais, econômicas, científicas e culturais, bem como a capacidade de lidar, para que deve assumir a liderança social criação de conhecimento, estimulando o pensamento crítico e a cidadania ativa para enfrentar os desafios associados à desigualdade, exploração do planeta e compreensão humana. Depois de 10 anos, que tipo de ação as instituições têm desenvolvido?
O grande trunfo da CRES 2008 foi tratar a educação como um direito humano fundamental que deve ser garantido pelo Estado. Na CRES 2018 temos que aprofundar essa questão. Estamos à frente de uma reorganização exigida pelos objetivos de desenvolvimento sustentável previstos pela UNESCO. É nisso que a universidade tem que se preocupar. Como a universidade trabalha em relação às mudanças climáticas e ao consumo responsável, por exemplo.
No Brasil, a Lei de Cotas estabeleceu reserva de vagas de no mínino cinqüenta por cento para estudantes negros, provenientes de escolas públicas e de baixa renda. Como o senhor avalia essa política?
O mais importante de todas as políticas públicas é que elas beneficiem a maior parte das pessoas, mas precisam ser avaliadas e revistas permanentemente, não podem ser exercícios frios. Têm que ir se transformando de acordo com as exigências da população. Claro que a Lei de Cotas, no Brasil, é um avanço. Também há modelos muito interesses em Trindad e Tobago e Jamaica para inclusão da população afrodecendente no ensino superior. Vamos ressaltar que a importância da interculturalidade, que é um tema inédito na CRES, veiculado à diversidade cultural. Temos que contemplar também a população indígena. E precisamos de universidades também na periferia, lugares mais afastados dos grandes centros e que estão à margem da ciência tecnologia e conhecimento.
Que tipo de política pública e institucional deve ser desenvolvida?
A principal política que deve ser desenvolvida é o estudo dos territórios. Uma política pública tem que ser territorial, de acordo com a necessidade com o território. Num país tão grande, como o Brasil, os territórios têm que ser repartidos. O Amazonas é diferente do Rio Grande do Sul, por exemplo, e por isso devem existir políticas específicas para cada região.